terça-feira, 4 de setembro de 2012

Série Grandes Contos Verídicos - Os Guerreiros de Catanduva e Região

Minha mãe mora numa cidade pequena do interior true do estado de São Paulo. Interior true entende-se pós-Campinas, antes do que é tudo cidade-satélite. O interior true tem seus próprios centros metropolitanos e pros habitantes de lá a capital São Paulo é só uma distante Roma na qual eles estiveram certa vez e por quem nutrem certa aversão numas de 'é lá um monte de loucaço amontoado buzinando no meio da poluição'.

A cidade é daquelas pequenas mesmo e a casa fica na frente de uma praça raramente frequentada. É nela que num sábado à noite eles apareceram com suas máquinas e sua sede de confusão.

Como de costume nas noites que passo lá eu estava na varanda flagrando a internet e acordando os gatos pra me fazerem companhia e me aliviarem assim o medo de monstros, aliens, essas coisas barra.

A gangue iniciou seus trabalhos: drinks, roda de violão, desordem. Na segunda execução da seqüência 'Michel Teló -> hardcore que não conheço' tomei uma decisão abrupta: 'vou pintar lá no meio deles'.

Levantei, coloquei um cigarro no canto da boca e fui, abri o portão, saí, fui trocando os passos numa buena. No caminho as placas dos carros anunciavam: eram de cidades próximas, alguns de Catanduva, cidade onde morei na infância e de cujas gangues bem conheço a reputação. Eu já estava próximo quando minha aproximação foi notada e um a um eles foram me olhando, com exceção do tipo do violão que simplesmente seguia sua hábil troca de acordes.

Parei no meio da roda como se fosse membro habitual da gangue, foi um gesto ousado e o que se seguiu foi um momento de tensão. Eles se entreolhavam enquanto eu reparava que a quantidade enfileirada de garrafas vazias de algum destilado malucaço era surpreendente. Por sorte o Giraknob já havia me ensinado a identificar o líder de uma gangue: só ele tem um canivete. Ao líder então me dirigi, demonstrando respeito mas não com excessiva humildade 'Uôu, bacana o som aí. legal'.

Ele aliviou a expressão facial, preparou uma mistura com o destilado e me ofereceu 'é, o cara toca muito. bebe aí com a gente', era o sinal de abertura de relações. Na sequência ele me pediu um cigarro.

O líder era um tipo magrelo de boné e olhar impetuoso, conversava mantendo a pompa e deixava a verborragia para seu over-friendly assistente/papagaio-de-pirata. E como toda gangue de estrutura clássica essa tinha também seus soldados, nesse caso uns tipos puxa-ferro hillbilly de poucas palavras e muita lealdade ao general.

O tipo do violão, solícito, perguntou que som que eu curto pois ele tocaria se conhecesse. Pedi Charlie Brown Jr e ele mandou-lhe uma execução impecável de 'quinta-feira'. Na sequência tocou uma composta por ele, uma peça de gênero emo-radiohead bem construída.

Em dado momento assumiu a posição de porta-voz do grupo, com ar grave mas cordial, um rapaz que personifica a clássica figura ocidental do gordinho gente boa. Foi ele que me falou sobre os costumes da gangue. Os lugares freqüentados variariam entre praças como aquela e mega chopperias com grandes concertos de música sertaneja.

Quando o dia começou a clarear eles se despediram e apressaram-se em juntar as coisas, subiram em suas máquinas e partiram no longo caminho de volta a Coney Island.

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